sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A promessa adiada do carro a hidrogénio


Há 30 anos atrás, Jack Nicholson aparecia na televisão a guiar um carro a hidrogénio [1]. A empresa que havia desenvolvido o protótipo garantia que o carro de zero emissões seria comercializado em breve, sendo o hidrogénio obtido com o recurso a electricidade proveniente de painéis solares. Três décadas depois das crises petrolíferas, continuamos no mesmo ponto.

Uma tecnologia derrotada à partida

Apesar de todas as promessas, o carro a hidrogénio continua a ser uma miragem. Na Islândia, onde foi anunciado um grande investimento nesta nova tecnologia, ainda hoje apenas uma estação de serviço fornece hidrogénio. Na Califórnia de Schwarzenegger, a promessa de criar 200 estações de serviço com hidrogénio até 2010 não será cumprida, já que até hoje apenas 5 foram criadas. Em toda a Europa, a substituição de autocarros a diesel por autocarros a hidrogénio ainda é incipiente.

Um dos problemas que explica este atraso é o enorme custo desta tecnologia. Para produzir energia a partir de hidrogénio, um célula de combustível é utilizada. Esta célula de combustível converte hidrogénio e oxigénio em vapor de água, libertando electricidade no processo. Mas para que a reacção química seja possível são utilizados metais preciosos como catalisadores, nomeadamente platina.

Mesmo com avanços significativos na utilização de platina para fabrico de células de combustível, o problema de esgotamento de recursos escassos continua a ser premente. Em 2007 produziram-se cerca de 71 milhões de carros. Mesmo reduzindo para um quinto a utilização de platina em cada célula de combustível necessitaríamos de 1420 toneladas de platina por ano para converter toda a produção automóvel para as células de combustível, o que equivale a seis vezes a produção anual [2]. Se tivermos em conta que 100 gramas de platina custam 3000 dólares, não será difícil perceber as limitações desta tecnologia.

Outro grande problema da economia do hidrogénio é o facto de a produção de hidrogénio ser frequentemente pouco ecológica. A maioria do hidrogénio é produzido com recurso a gás natural, utilizando combustíveis fósseis. De acordo com um estudo do MIT, os benefícios climáticos de um carro a hidrogénio relativamente a um carro híbrido são pequenos [3]. A forma mais ecológica de produzir hidrogénio é através da electrólise, processo em que se obtém hidrogénio a partir da água com recurso a electricidade, desde que sejam usadas energias renováveis. Mas este processo de fabrico é muito dispendioso e a eficiência energética é reduzida.

A eficiência está no centro do terceiro grande problema desta tecnologia. Para abastecer os carros com hidrogénio é necessário produzir o hidrogénio, comprimi-lo, transportá-lo e abastecer a célula de combustível. Em todo o processo registam-se perdas e no fim apenas 24% da energia é aproveitada de forma útil [4], enquanto que a eficiência energética do carro eléctrico atinge os 69%. Um estudo realizado para o governo britânico estimava um aumento na produção de electricidade resultante da conversão dos automóveis para o hidrogénio em mais de 35% [5].

A maior dificuldade estará, contudo, na criação de uma rede de distribuição de hidrogénio. Para que seja possível criar uma economia do hidrogénio, teremos de construir uma rede de pipelines e estações de serviço. Para transportar o hidrogénio seria necessário liquefazê-lo, reduzindo a sua eficiência energética. Em todo o processo de armazenamento e de transporte, é necessário um grande cuidado para evitar fugas por motivos ambientais (o hidrogénio actua como um gás de efeito de estufa uma vez libertado na atmosfera) e de segurança (o hidrogénio é altamente inflamável).

A alternativa

A solução para a descarbonização do sistema de transportes não se encontra numa qualquer nova tecnologia. Sem dúvida que é importante reduzir o consumo de combustível e as emissões de novos carros, assim como será desejável expandir a utilização do carro eléctrico. Mas a resolução de um problema (as emissões) resulta frequentemente na criação de novos problemas. O carro a hidrogénio depende da utilização de platina, como mencionado, enquanto que o carro eléctrico exige a utilização de lítio, um mineral raro. No fundo, estamos apenas a trocar uma dependência por outra.

Por muitas voltas que demos ao assunto, criar cidades mais habitáveis e reduzir a poluição gerada pelos automóveis apenas será possível retirando carros das ruas. Esta é uma solução incómoda para a indústria automóvel, pois implica uma redução dos seus lucros, pelo que nos ilude com promessas de novas tecnologias. Mas a transferência do transporte individual para o transporte colectivo e a promoção de meios de deslocação não poluentes é, mais que uma medida cívica, uma urgência.

Ricardo Coelho

08-Dez-2008

Extraído do Ecoblogue

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